Da sobremesa antes do almoço

Agosto é sempre um mês conturbado, mas o desse ano encontrou dimensões nunca antes vistas. Dificuldades em todos os campos da vida, inclusive no que diz respeito à vocação. Várias conversas com o Senhor, várias lágrimas e, de tanto ser repetida, a frase "Jesus, o que queres de mim?" se tornou quase uma jaculatória. Porém, passei quase o mês inteiro sem saber para qual lado andar. Até chegar em casa bem cansada após um sábado profundamente vocacional. 

Conheci diversos carismas, passei por várias congregações, encontrei pessoas que não via há tempos e, principalmente, consegui me confessar. A sensação não podia ser de maior liberdade (e gratidão). Durante o dia, mesmo na correria, ia crescendo no meu coração a certeza de que eu precisava ter uma conversa bem séria com Aquele que me deu uma vocação. Quando consegui fechar a porta do meu quarto e me colocar diante do meu oratório, disse pra Jesus: "E então, o que o Senhor queria me dizer?". 

Ele ficou em silêncio. 

Falei sobre algumas outras coisas, esperei uma resposta, mas não veio. Terminei a oração e segui fazendo as minhas coisas. De repente, enquanto finalizava um ponto do bordado, senti uma vontade muito louca de ler o Cântico dos Cânticos. Como aquilo não fazia sentido nenhum no momento e era super aleatório, deixei o bordado de lado e abri minha Bíblia. Fiquei encantada. 

A poesia daquele livro é tão bela, tão profunda! Li todo o Cântico com um sorriso no rosto, compreendendo que era ali que estava a resposta de Deus que eu pedira antes. Logo no primeiro capítulo tive certeza disso, pois o versículo 7 diz o seguinte: 

"Dize-me, ó tu, que meu coração ama, onde apascentas o teu rebanho, onde o levas a repousar ao meio-dia, para que eu não ande vagueando junto aos rebanhos dos teus companheiros". Ct 1,7 

Me vi nesse versículo. Me vi olhando para todos os lados procurando aquele que o meu coração poderia amar, mas sem saber quem ele era ou, como a pastora do Cântico, onde ele apascenta o seu rebanho. Não seria justo saber disso? Não seria mais correto e coerente? Não evitaria dores e sofrimentos, feridas e caras quebradas tentando achar o cara certo? 

Segui a leitura e, por três vezes, a Palavra diz: 

"Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, não desperteis nem perturbeis o amor, antes que ele o queira". Ct 8, 4 

Foi o que eu precisava ler. "Não perturbeis o amor antes que ele o queira". Terminei a leitura do capítulo, fechei minha Bíblia e fiquei remoendo aquele versículo por muito, muito tempo. Queria entender o que Deus me dizia com aquilo tudo. 

Afinal, era isso que eu estava fazendo, não? Perturbando o amor antes que ele quisesse. Buscando o pastor no rebanho de seus companheiros. Não confiando naquele que, antes de todos, meu coração ama. 

Depois de um processo de discernimento, Deus nos dá algumas respostas. Ele não deixa ninguém no vácuo eternamente, apenas o tempo necessário para que possamos crescer também. A dificuldade maior é saber esperar a resposta completa. Nosso imediatismo e nossa carência nos fazem desejar agora o que o Senhor reservou para o tempo que virá; é como se fôssemos crianças querendo comer a sobremesa antes do almoço. Sabemos que virá, mas temos medo de que a refeição demore demais e, mesmo confiando em nossos pais, tememos que ela não esteja verdadeiramente lá. 

Mas, e se estivermos ansiando tanto pela sobremesa e esquecendo de aproveitar o almoço? "Não perturbeis o amor antes que ele o queira". Se soubermos aproveitar bem o almoço, a sobremesa será o fim perfeito. Complementará maravilhosamente a refeição. Porém, se ficarmos apressando o processo, o almoço fará falta. 

O mesmo acontece com nossa vida. Não nos adianta nada viver esperando pelo namoro como se ele fosse o almoço. A nossa relação com Deus é. O namoro é a sobremesa. 

Se estamos solteiros é porque Deus o quer. Quer que aproveitemos esse tempo para aprendermos a amá-Lo, para viver com Ele a espera. Deus nos quer para Ele, porque Ele é o primeiro amor de nossos corações. Quando estivermos bem configurados ao Coração do Pai, ali encontraremos aquele ou aquela que tanto esperávamos, a nossa sobremesa. 

Enquanto isso, não perturbemos o amor (ou o Amor) exigindo que nos seja entregue algo que não nos cabe naquele momento. Chegará o momento em que poderemos desfrutar da companhia daquele que nosso coração ama e foi encontrado no Coração Santíssimo do Pai. Nos preparemos, esperemos e confiemos. 

O bom Deus não nos deixará faltar nada e poderemos um dia, a exemplo do casal do Cântico dos Cânticos, cantar: "Eu sou do amado meu e meu amado é meu" Ct 6, 3. 

Que Deus nos ajude a ancorar nossos corações, com confiança sempre firme, em Seu Sacratíssimo Coração. 

Grande abraço, 
Aline.

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